Nas montanhas do Rio Grande existia aquele campo aberto em que a brachiara era a mais verde, o céu era completamente azul e o frio quase nunca dava trégua. Não era por outro motivo que a cidade mais próxima chamava-se Campo Lindo – lugar pequeno e sem muito charme. A pequena Betina estava cansada depois do dia todo fora da cidade. Ela não via a hora de voltar pra casa, principalmente porque mais tarde aconteceria o tão esperado espetáculo do circo.
Estava deitada no meio do pasto com uma florzinha amarela na mão. Ela levantou a flor e a botou contra o sol, tentando imaginar como seria a sombra que se formava em seu rosto. Assoprou a flor e as pétalas miúdas foram levadas pelo vento, com exceção de uma, que caiu em seus cabelos vermelhos, causando um grande contraste. A menina naquele momento desejou ser como aquelas outras pétalas: levada pelo vento.
Até que a voz estridente de sua mãe gritou ao seu lado “Levanta, Betina! Continua a trabalhar, menina!”. Ela, então, levantou-se e continuou a arar o capim. O vento batia em seu rosto enquanto ela percebia que o pasto não estava mais tão verde e havia uma nuvem no céu.
Por sorte conseguiu carona pra cidade com um caminhoneiro que passava ali por perto e chegou em casa a tempo de se arrumar pra ir ao circo.
Entre os cavalos inteligentes, o equilibrista, a mulher barbada, o mágico e o grande palhaço Zezé, o que mais chamou atenção foi o teatro de marionetes, que nem atração principal era. Betina olhava os bonequinhos boquiaberta. Estava encantada!
A história era sobre duas meninas, uma loira e uma ruiva, fugindo do lobo-mau. Betina se assustou quando a ruiva quase foi engolida pelo animal, mas, com ajuda da sua amiga se salvou.
No dia seguinte, Betina acordou bem cedinho pra ficar olhando o desmonte do circo e tentar dar uma última olhada naquelas marionetes. Ela observou como era diferente o palhaço sem maquiagem, o mágico sem cartola e a mulher barbada com a bochecha lisa. Ela via todos se preparando para deixar Campo Lindo, mas o que Betina mais queria ver não aparecia. O circo já estava partindo em uma caravana de ônibus e carretas quando ela, sem esperanças, se virou para voltar pra casa. Para sua surpresa, Betina viu ali no chão o que mais desejava no mundo. A marionete loira.
A garotinha pegou a marionete do chão e correu para casa com o maior sorriso que já abriu. Ela não conseguia acreditar que isso estava acontecendo – era o melhor brinquedo que poderia ter! Não demorou muito pra Betina pegar o jeito de como mexer na marionete, que logo foi nomeada de Bela. Não houve um único segundo daquela semana em que elas não estivessem juntas. Para a escola, para o trabalho, para comer, para dormir. Betina tinha encontrado o que sempre quis.
Até que um dia a menina foi tirar Bela do canto do seu quarto e o vestido da boneca prendeu em um prego. Rasgou. Por um momento Betina achou que fosse o fim da marionete, mas não foi tão grande o problema e ela logo arranjou um pano para costurar uma roupinha nova.
A menina fazia tudo por Bela. Penteava seus cabelos de barbante, brincava, botava pra dormir – Betina dava à Bela a vida perfeita. Pela primeira vez ela sentiu que tinha encontrado alguém sem defeitos que não poderia fazer mal a ela como os outros normalmente faziam. E por isso mesmo que Betina achava que Bela merecia todos os cuidados que ela oferecia. Não importava o que fosse acontecer, Bela, pra sempre, estaria com ela.
Mas o palhaço Zezé apareceu
Preferia não ter sido feliz com Bela a ter que passar por aquele momento. Em pé, no meio daquele capim que lhe parecia cinza, sentia as suas últimas lágrimas secando com o vento forte.
A menina não se gostava. Quando encontrou a felicidade, arranjaram um jeito de lhe roubar. Betina queria ser pétala, queria ser loira. Betina queria ser marionete.
3 comentários:
to arrepiada. adorei. e gosto mais ainda quando sei que o bendito exercício do espelho é quase eterno.
=* amigui
Complicado. Ser marionete para sempre também não é bom.
ela é criança, não sabe o que quer!
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