terça-feira, 29 de abril de 2008

sem título

estava olhando meus arquivos antigos de coisas que já escrevi e achei o roteiro de um filme ainda sem título com umas coisa interessante.

ISADORA

Sabe... Às vezes a gente tem uma dúvida. Uma dúvida sem fundos. Ela está perdida no escuro, procurando um fim pra tomar. Até que essa dúvida, de tanto que insiste, atinge um lugar e se torna uma verdade. Mas no fundo, essa verdade continua sendo apenas uma dúvida. E ela está mais perdida ainda, porque acha que está certa.


Isso não é contextualizado em nada que aconteceu nesses últimos dias não. mas é que eu gostei de ler isso. Resolvi botar aqui.
Enfim,
Raphael.

domingo, 27 de abril de 2008

Viagem

Como dois ímãs, se uniram. Novo, tudo novo. Se acariciavam timidamente. Era o deleite da tranqüilidade, sabendo que mais tarde seria diferente. Se conheciam, se exploravam, se sentiam. Até que a da direita resolveu conhecer mais da outra e foi a fundo. A da esquerda concedeu e fez o mesmo. Eram duas viajantes com um mundo inteiro a se descobrir. Aproveitavam cada canto que achavam; sonhavam com cada canto a ser achado. E seguiam na busca de conhecer toda a área, sem prazo para finalizar a expedição. Na medida em que as regiões do outro mundo iam sendo reveladas, a vontade de conhecer mais outras aumentava. E isso refletia na ação das viajantes, que ficavam mais ágeis, mais famintas. Assim se conheceram. A partir desse momento, a viagem era apenas aproveitar o que foi descoberto. Refazer as rotas mais interessantes, desfrutar do melhor que a outra tem a oferecer. O ímã se desgrudou. Sorriram. Eram elas duas bocas beijando o primeiro beijo de muitos outros que ainda iriam trocar.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O prazer me destruiu


Avistei. Lá vinha ela vestindo o sorriso meia-boca irresistível que já vi usar com tantos outros homens. Muito prazer foi o que ela disse. Dois beijinhos, muito prazer! Certeza de que o prazer que ela diz não é o prazer que sente. Que prazer é esse que uma menina de no máximo vinte anos conhece? Prazer do dinheiro, prazer do sexo, das drogas. O hedonismo mais raso de todos é o que ela vive. Mesmo sabendo da escapez da fala me orgulhei de ouvi-la saindo de tão belos lábios. Diretamente para mim. Com meus quarenta, já conheço o que digo. Muito prazer, retribui. Ela sorriu, conversou três palavras com meu amigo, saiu, sumiu.

Semana seguinte lá estava ela com um sorriso meia-boca vermelho. Avistou. Lá fui eu. Meu amigo me seguiu. Ela passou por mim e cumprimentou o outro. Se virou para mim, muito prazer. Dois beijinhos, esfriei. O prazer me destruiu, me esvaziou. Que pena!, tão bonita e não sabe aproveitar a mais bela das palavras, que diretamente foi a ninguém. Com seus vinte não sabe o que diz. Bom falar com você, retribui. Eu sorri, conversei três palavras com meu amigo, sai, sumi.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A Caravela

Quando eu era menor, conheci Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama, conheci Cristóvão Colombo. O que você quer ser quando crescer? Eu quero ser descobridor. Eu queria sair por aí de caravela e descobrir todas as Américas ainda desconhecidas. Pois então a professora me veio com a notícia de que não havia mais lugar para ser descoberto. Minha segunda opção era ser veterinário, mas no fundo no fundo não queria isso não – queria ser descobridor. Pensei, pensei, estudei, cresci. Hoje, eu sou uma caravela e uso dos meus remos para desvendar as terras do mundo que há dentro de mim.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Ezequiel Parte 2

Ezequiel achou que tinha perdido sua mochila até descobrir que não a tinha levado para a escola. Esperava que sua mãe o consolasse ao chegar em casa depois de horas de procura desesperada, mas Cleonice gritou com ele na primeira virada de chave na porta de entrada. Como vai ao colégio e esquece a mochila? Cansado demais para justificar qualquer motivo inventado, Ezequiel simula um desmaio. Cleonice acredita e eles vão ao hospital. Os desmaios continuam e os médicos culpam o excesso de gordura.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Meu roteiro

Dizer o que eu sou é como desabotoar camisa social com uma mão só. Você pode achar simples, mas pra mim é um desafio. Eu sou um homem procurando uma afirmação no meio de várias perguntas. Perguntas que na maioria das vezes eu sei a resposta, mas a reprimo até me fazer acreditar no contrário. Isso nunca deu certo, mas insisto – mesmo sabendo que é ruim. Eu sou um fraco. Sou um fraco que jura até o último fio de cabelo que quer ser forte, mas acaba se acomodando em sua posição. Se eu realmente quisesse alguma coisa, o mínimo que poderia fazer seria tentar alcançar. Mas como dá preguiça tentar! Então eu percebo que meus sonhos são passageiros, minha vida é passageira. Raphael, você é um passageiro. Eu quero pegar ponte aérea para o lugar mais inusitado – seja Austrália, Bielorrúsia ou Chipre – sabendo que o destino final é a minha própria vida. Eu sou um eterno aventureiro que busca, acima de tudo, ser diferente. Agora você pára e pensa. Será que eu sou tão diferente assim? E todos sabem que não. O roteiro da minha vida tem como personagem principal o maior clichê de todos. Mas meu filme tem linguagem singular. Sou um clichê bem encaixado. Previsivelmente original, originalmente previsível.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Conseqüência

Não consigo andar, não consigo falar, não consigo pensar. Comi demais e não consigo respirar. É sério, não consigo pensar. Não sei como me restam forças para escrever. A pressão é tanta que meus olhos já se fecharam. Escrevo sem olhar para pó tterclado. Abre os olhos, todos os olhos! Eu preciso cagar.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Ezequiel

Ezequiel caiu da escada com seis anos e ficou manco. Hoje, com doze, as pessoas da sua família o chamam de Batato, mas não é somente porque ele é gorducho. É porque sua mãe Cleonice o chamava carinhosamente de Quinho, abreviação para "manquinho", e seu padrasto Dúbio, metido a intelectual, o chamava de Coxo. Até que um dia seu primo Aurélio, mestre dos trocadilhos, completou: coxo? o Ezequiel mais parece um batato. E o apelido pegou.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Betina

Nas montanhas do Rio Grande existia aquele campo aberto em que a brachiara era a mais verde, o céu era completamente azul e o frio quase nunca dava trégua. Não era por outro motivo que a cidade mais próxima chamava-se Campo Lindo – lugar pequeno e sem muito charme. A pequena Betina estava cansada depois do dia todo fora da cidade. Ela não via a hora de voltar pra casa, principalmente porque mais tarde aconteceria o tão esperado espetáculo do circo.

Estava deitada no meio do pasto com uma florzinha amarela na mão. Ela levantou a flor e a botou contra o sol, tentando imaginar como seria a sombra que se formava em seu rosto. Assoprou a flor e as pétalas miúdas foram levadas pelo vento, com exceção de uma, que caiu em seus cabelos vermelhos, causando um grande contraste. A menina naquele momento desejou ser como aquelas outras pétalas: levada pelo vento.

Até que a voz estridente de sua mãe gritou ao seu lado “Levanta, Betina! Continua a trabalhar, menina!”. Ela, então, levantou-se e continuou a arar o capim. O vento batia em seu rosto enquanto ela percebia que o pasto não estava mais tão verde e havia uma nuvem no céu.

Por sorte conseguiu carona pra cidade com um caminhoneiro que passava ali por perto e chegou em casa a tempo de se arrumar pra ir ao circo.

Entre os cavalos inteligentes, o equilibrista, a mulher barbada, o mágico e o grande palhaço Zezé, o que mais chamou atenção foi o teatro de marionetes, que nem atração principal era. Betina olhava os bonequinhos boquiaberta. Estava encantada!

A história era sobre duas meninas, uma loira e uma ruiva, fugindo do lobo-mau. Betina se assustou quando a ruiva quase foi engolida pelo animal, mas, com ajuda da sua amiga se salvou.

No dia seguinte, Betina acordou bem cedinho pra ficar olhando o desmonte do circo e tentar dar uma última olhada naquelas marionetes. Ela observou como era diferente o palhaço sem maquiagem, o mágico sem cartola e a mulher barbada com a bochecha lisa. Ela via todos se preparando para deixar Campo Lindo, mas o que Betina mais queria ver não aparecia. O circo já estava partindo em uma caravana de ônibus e carretas quando ela, sem esperanças, se virou para voltar pra casa. Para sua surpresa, Betina viu ali no chão o que mais desejava no mundo. A marionete loira.

A garotinha pegou a marionete do chão e correu para casa com o maior sorriso que já abriu. Ela não conseguia acreditar que isso estava acontecendo – era o melhor brinquedo que poderia ter! Não demorou muito pra Betina pegar o jeito de como mexer na marionete, que logo foi nomeada de Bela. Não houve um único segundo daquela semana em que elas não estivessem juntas. Para a escola, para o trabalho, para comer, para dormir. Betina tinha encontrado o que sempre quis.

Até que um dia a menina foi tirar Bela do canto do seu quarto e o vestido da boneca prendeu em um prego. Rasgou. Por um momento Betina achou que fosse o fim da marionete, mas não foi tão grande o problema e ela logo arranjou um pano para costurar uma roupinha nova.

A menina fazia tudo por Bela. Penteava seus cabelos de barbante, brincava, botava pra dormir – Betina dava à Bela a vida perfeita. Pela primeira vez ela sentiu que tinha encontrado alguém sem defeitos que não poderia fazer mal a ela como os outros normalmente faziam. E por isso mesmo que Betina achava que Bela merecia todos os cuidados que ela oferecia. Não importava o que fosse acontecer, Bela, pra sempre, estaria com ela.

Mas o palhaço Zezé apareceu em Campo Lindo falando que o circo tinha perdido a marionete loira e a queria de volta. Betina ficou chocada. Não podia devolver Bela, mas todo mundo da cidade já tinha a visto brincando com ela. Segurando as lágrimas como torneira mal-fechada a menina devolveu Bela para o palhaço mal-humorado no meio da praça principal enquanto muitos moradores da cidade observavam. A menina, então, saiu correndo empurrando todos os curiosos em seu caminho e foi para o campo onde trabalha.

Preferia não ter sido feliz com Bela a ter que passar por aquele momento. Em pé, no meio daquele capim que lhe parecia cinza, sentia as suas últimas lágrimas secando com o vento forte.

A menina não se gostava. Quando encontrou a felicidade, arranjaram um jeito de lhe roubar. Betina queria ser pétala, queria ser loira. Betina queria ser marionete.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

O grito de um homem sem voz

Tento convencer os outros do que não sou
Tento convencer os outros do que tento ser
Meus desejos são reprimidos por pessoas que amo
Que nem imaginam que me reprimem
Reclamo, falo, provo, grito, comprovo, me defendo
O que eu quero é ser produção de verdade
Mas como posso, se não me deixam produzir?

segunda-feira, 7 de abril de 2008

O Protagonista

Sou um ponto pequeno no meio da rua. Tão pequeno que pouca gente me vê. Sou um qualquer de Koyaanisqatsi. Sou um figurante de Closer. Mas sei que é possível entrar em foco.

domingo, 6 de abril de 2008

teligência.


Já me chamaram de inteligente. Pudera eu! Eu simplesmente tento ser esperto.
O pior de parecer ser inteligente é a cobrança. Eu sou burro, um ignorante. E o que mais temo é a pergunta que me deixa atordoado pela única resposta que encontro - não sei.
Queria eu saber de tudo, revelar o mundo, argumentar. Mas o que me restam são somente idéias comuns escondidas atrás de belas palavras.